Nesta madrugada, tive a oportunidade de ler a mensagem de um amigo sacerdote que, tendo assumido uma nova missão, narrava as imensas dificuldades que vêm encontrando em seu ministério: secura espiritual, povo sentimentalista e supersticioso, agentes de pastoral mal formados, vida espiritual tíbia na paróquia. Não foi uma reclamação, mas um um desabafo e um testemunho.
Tendo terminado a leitura, rezei por esse pai e amigo, e tentei voltar a dormir. Não consegui mais pregar os olhos. Pensamentos e mil idéias revoavam minha cabeça: o que eu, como leigo, posso fazer, além de rezar, por esse padre que mora longe de mim, mas está tão perto do meu coração?
Peguei liturgia para fazer minha breve meditação diária e tentar encontrar alento.
As leituras de hoje são as da Festa de São Timóteo e São Tito. Assim que comecei a ler, saltou aos meus olhos um trecho da primeira leitura. É São Paulo escrevendo a Timóteo, talvez um pouco como meu amigo padre escrevendo para mim:
“Exorto-te a reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos. Pois Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e sobriedade. Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor nem de mim, seu prisioneiro, mas sofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus.”
Meu amigo padre está diante de obstáculos duros e reais. E eu? Tenho dificuldades concretas que me impedem de estar animado? A chama da vocação e da missão estão vivas ou mornas em mim? Tenho sido tímido, orgulhoso, soberbo, resguardado ou tenho me exposto e dado tudo o que posso pelo Evangelho?
O convite de São Paulo, não posso negar, reverberou em meu coração, talvez como a mensagem do padre na escuridão solitária da madrugada: “sofre comigo pelo Evangelho”… Era como se o padre estivesse me dizendo: fica comigo, faz de sua vocação de leigo uma extensão de meu ministério, vai onde eu não posso ir, anda nas ruas, vá aos ambientes de trabalho, ocupa as redes sociais, usa seus talentos, sofre essa dor (“ai de mim de não pregar”) comigo.
Logo que cheguei à leitura do Evangelho, mais uma frase me “pegou”:
“…escolheu outros discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir”.
Esse “onde ele próprio devia ir” causou-me outro estrondo interior. Nós vamos para a missão no lugar de Nosso Senhor. Onde ele não “pode” mais chegar, chega através de nós. A nossa missão é tornar Cristo presente no mundo. Depois da Encarnação do Verbo, tudo no cristianismo é mediação. Cristo quer chegar aos outros através de nós. Nós somos “cristóforos” — portadores de Cristo — para os outros.
(Não tenho como não lembrar de Frei Cristóforo, de “Os Noivos”, de Alessandro Manzoni — leiam!)
Acontece que os sacerdotes, pelo Sacramento da Ordem, é que são oficialmente os “outros cristos” (escuto o eco da voz potente de Dom Rafael Cifuentes: “Sacerdos Alter Christos!”); nós, leigos, somos os ajudantes dos sacerdotes. Os sacerdotes é que devem ir, ordinariamente, onde o próprio Jesus deveria ir. A eles cabe a evangelização e a catequese. Como não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo, nós leigos, com nosso testemunho, levamos Cristo a todos os ambientes, consagrando o mundo. Nosso apostolado é nossa própria vida e nossa vida deve ser um reflexo da vida do Cristo. Isso é testemunho: o modo como exerço meus deveres de estado (papel de esposo, pai, profissional, etc).
Os padres também contam conosco, para que nossa atividade evangelizadora seja uma espécie de extensão de seu ministério de ensinar. Somos pregadores e catequistas à medida que colaboramos com a Igreja. Se o padre não pode estar na universidade, nos ambientes de cultura, no mundo do trabalho, nas redes sociais, somos nós os seus representantes para evangelizar esses ambientes (“toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir”). A realidade é que nem nas sacristias e nos centros pastorais o padre pode estar sempre presente.
Neste sentido, a intuição franciscana é sensacional: “preguemos o evangelho; se precisar, usemos palavras”. Ela expressa bem a vocação original laica e a colaboração com a Igreja. O leigo deve pregar com a vida, com o testemunho (é impossível não lembrar aqui o Ponto I, de “Caminho”, de São Josemaria Escrivá); se houver necessidade — um chamado da Igreja ou chamado da realidade — preguemos com palavras.
O Ponto I, de “Caminho”:
“Que a tua vida não seja uma vida estéril. — Sê útil. — Deixa rasto. — Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor.
Apaga, com a tua vida de apóstolo, o rasto viscoso e sujo que deixaram os semeadores impuros do ódio. — E incendeia todos os caminhos da terra com o fogo de Cristo que levas no coração.”
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Se estas palavras breves e desencontradas, que escrevi como se fossem uma resposta que pudesse trazer algum conforto para a alma do meu amigo puderem ser aproveitadas por algum leitor deste site (ou que tenha vindo de alguma rede social), que assim seja.