O córrego é o mesmo,
(Manuel Bandeira “Peregrinação”)
Mesma, aquela árvore,
A casa, o jardim.
Meus passos a esmo
(Os passos e o espírito)
Vão pelo passado,
Ai tão devastado,
Recolhendo triste
Tudo quanto existe
Ainda ali de mim
— Mim daqueles tempos!
Luiz Cezar de Araújo escreveu um livro para se ler com o coração nas mãos. Dando uma guinada radical em relação à temática e a uma certa amargura sarcástica que permeava os contos de seu primeiro livro, “A vida é traição”, o paranaense envereda pela tradição memorialística (sem escrever um livro de memórias — mas, pergunto eu, que literatura não faz memória?) e regionalista (passando longe do típico regionalismo nacional), de autores como José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Antônio Carlos Villaça. Nosso autor não é dado a estilismos ou experimentações: É mais um narrador direto, que neste caso remete a um Sabino ou a um Veríssimo. Quer contar uma história e o faz, de maneira magistral. Seu estilo decorre desta habilidade para narrar.
Luiz, dono de um fluxo ininterrupto que jorra com simplicidade, conduz o leitor de capítulo em capítulo, como nos antigos folhetins, trazendo-o cativo de uma história que prende a atenção logo no início. Luciano é um adolescente, que após vários reveses envolvendo seu pai, problemático e alcoólatra, é obrigado a retornar por um tempo à Fazenda São João, cenário que envolve muitas lembranças da infância. Neste retorno, entre sonhos e aventuras, dramas e as descobertas acerca da condição humana, desenvolve-se a história de nosso herói, que, tem um quê de romance de formação, com suas estreias, seus ritos de passagem e seu processo de amadurecimento, com um importante pendor para o sentido trágico da vida… Tudo narrado com graça e sem a ironia e o cinismo típicos dos escritores pós-modernos. Não há aqui nem sombra do niilismo desesperançado de muitos pares de geração de Luiz Cezar de Araujo. O romance é marcado por uma doçura nostálgica que perpassa toda a narrativa. Luiz Cezar retoma o regionalismo e cobre uma lacuna que outros não puderam ou não quiseram cobrir por estarem mais preocupados com a militância do que com o que está diante de seus olhos. Sem deixar de retratar a decadência da sociedade, que é, desde sempre, a do homem com a consciência corrompida, retratado neste livro pela avó de Luciano: Uma das personagens centrais do livro, responsável pelo ingresso do protagonista nas trevas da condição humana. A avó, de tantas e ternas lembranças, do afeto familiar, do aconchego e da acolhida, também é aquela que se deixará enganar pela serpente do mal e se corromperá… Junto com a nostalgia, o veneno inoculado pelo mal também penetra no tecido familiar e Luciano aos poucos descobrirá que a Fazenda São João, sonho de sua infância, também guarda em seus recantos terríveis segredos e as sombras escondidas de uma ignominiosa perversidade.
A crônica da Fazenda São João é descrita de forma belíssima por Luiz e é aqui que ele brilha mais. Evocações, acontecimentos, as redescobertas de Luciano, os afetos, as aventuras, as traquinagens, os segredos familiares e o ambiente estupendo da Fazenda, o mergulho no ambiente rural, os personagens da roça reencontrada. A mística da Fazenda abarca a trama. Luciano vive à sombra do pai, mas também à sombra da fazenda. O adeus ao pai encerra o adeus à Fazenda. A tudo o tempo devora.
“A Sombra do Pai” é um livro de leitura tão envolvente que parece terminar abruptamente. É uma história que poderia ter continuado. É um romance daqueles que se lê com prazer e que não deixa de retratar a profundidade da existência humana em toda a sua tragicidade e beleza.
Se houvesse justiça no mundo literário brasileiro, “À Sombra do Pai” deveria fazer muito barulho e tornar-se um grande best-seller. Este é um livro destinado ao sucesso.
Nós, leitores, ficamos aguardando o retorno de Luciano.