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Pelos vales escuros

por Gabriel de Vitto

“Não precisamos desejar muitas coisas do mundo – nos enamorar das riquezas, por exemplo, ou sermos avaros e cobiçosos – para obter essa sensação de conforto e bem-estar e, tomando-a como apoio, passar a negligenciar Deus. […] É preciso, portanto, que Deus aja, irrompendo em meio à nossa rotina e recordando mais uma vez que nós, assim como Israel, dependemos d’Ele antes que de qualquer outra coisa, que Ele criou e nos destinou a viver com Ele por toda a eternidade, que as coisas deste mundo e o próprio mundo não são nossa morada final”. Essa citação provém do livro “Pelos vales escuros: o extraordinário testemunho espiritual de um sobrevivente dos campos de trabalho da União Soviética”, do padre Walter J. Ciszek.

Como o título mesmo já demostra, esta publicação retrata os tempos de noite escura vividos pelo padre Ciszek ao longo de 23 anos. Jesuíta americano de ascendência polonesa, ingressou no Collegium Russicum (Seminário voltado aos estudos da cultura e teologia russas em Roma, com objetivo missionário) após a ereção deste pelo Papa Pio XI em 1929. Ao término de seus estudos seria enviado à Rússia, mas a “missão” foi adiada por conta do acirramento da Revolução de 1917. O jovem sacerdote foi então enviado à pequena cidade de Albertyn, no norte da Polônia. Foi lá que, após o Pacto Molotov–Ribbentrop (que dividiu a Polônia entre nazistas e soviéticos), o recém chegado pároco de aldeia conheceu o terror do totalitarismo, chamado por ele de “nova ordem”.

A narrativa se torna cada vez mais extraordinária e profunda a partir da sua decisão de ir para a Rússia, que resultou na sua prisão sob a acusação de ser um “espião do Vaticano” e longos anos de exílio na Sibéria, oferecidos a Deus através de um intenso trabalho missionário no local. Entre tantas passagens há este pequeno testemunho deixado pelo Pe. Ciszek durante este tempo: “O pão e o vinho para a Missa eram contrabandeados para nós pelas pessoas das cidades próximas na região ártica, mas geralmente vinham direto da Ucrânia. Não era possível comprar vinho para a Missa nas lojas da Sibéria. […] Faria qualquer coisa, sofreria qualquer inconveniência para tornar o Pão da Vida disponível para aqueles homens”.

A saga do jesuíta e seus companheiros de cárcere nos lembra muito a dura perseguição sofrida pelas freiras carmelitas do mosteiro de Compiègne retrata por George Bernanos em “Diálogos das Carmelitas”. Ambas fazem parte daquele gênero de histórias que nós gostaríamos que não existisse. O drama da alma piedosa que é levada ao extremo – muitas vezes do martírio – pelas forças extrínsecas e perversas que habitam o mundo. Muitas vezes somos oprimidos pelas circunstâncias e tribulações, nos vemos presos em uma cela onde só há a nossa fé vacilante e a Misericórdia Divina. Em certo momento dos “Diálogos” a Priora do Carmelo, Madre Henriqueta de Jesus, diz à jovem Branca de la Force, que “nosso ofício é rezar, como o ofício da lâmpada é iluminar. Ninguém pensaria em ascender uma lâmpada para iluminar outra lâmpada. ‘Cada um por si’, esta é a lei do mundo, e a nossa é um pouco parecida: ‘Cada um por Deus!’”. Há, analogamente, uma relação entre esta afirmação e toda a vida cristã: Nunca estamos realmente sós, mas estamos sempre a sós com Deus. Nesse sentido, a história do Pe. Walter J. Ciszek constitui um exemplo perfeito.

Para adquirir o livro: https://www.quadrante.com.br/pelos-vales-escuros

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