“Cristo ressuscitou, aleluia, venceu a morte com amor…”, diz a canção.
É manhã de Domingo. Depois de uma semana de caminhada, chegamos ao nosso destino. A Ressurreição de Cristo é também a nossa ressurreição. São Paulo dirá que a nossa vida está “escondida com Cristo em Deus”. A Ressurreição de Cristo é o ponto nevrálgico de Nossa Fé. O mesmo Paulo escreveu que “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé e se esperamos em Cristo só nesta vida, somos, dos homens, os mais dignos de lástima” (I Cor 15,14.19)
Sem a Ressurreição de Cristo tudo seria vão. Sua paixão e morte seriam um absurdo. Estaríamos presos a este mundo. É a Sua Ressurreição que nos transporta para o além, que nos faz olhar para a eternidade, que nos salva de nós mesmos, que dá sentido a tudo. E é esta mesma Ressurreição que se torna pedra de tropeço para nós, quando começamos a olhar somente para o “Cristo histórico” e não conseguimos ver nada além do “filho do carpinteiro” ou para o “Cristo da fé”, sem carne, que pode se transmutar em fábulas inventadas pelos apóstolos. Nossa frieza e indiferença para com as “coisas do alto” (Col 3,1) são resultado direto do secularismo, relativismo e do nosso apego às coisas cá de baixo (hedonismo). Bento XVI, quando confeccionou seu magistral Jesus de Nazaré, o fez para mostrar que “o Jesus histórico não é desligável da fé, nem o Cristo da fé é desligável do realismo histórico da Sua existência. História e fé interpenetram-se na leitura dos textos evangélicos.” (Dom José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa). O Cristo Ressuscitado é o Cristo histórico, Homem-Deus, real, o Cristo da Igreja, da Fé Apostólica. O Cristo que hoje celebramos, no qual devemos depositar nossa esperança.
Um famoso escritor brasileiro disse certa vez disse que se acreditasse mesmo que a hóstia consagrada é o Cristo Ressuscitado, não sairia de perto dela nunca mais, um só segundo.
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Duas cenas me impressionam muito na “Paixão de Cristo” de Mel Gibson:
1. Na flagelação, quando acaba a primeira sessão de tortura, onde recebera diversos golpes nas costas e nas pernas, o Cristo arria diante da agressividade dos carrascos. Para surpresa dos agressores, Ele levanta e coloca-se novamente à disposição, para receber mais flagelos. “É incrível a sua resistência!”, bradam. Esse levantar-se do Cristo já é um sinal claro de sua Ressurreição, de que não lhe pertencia ficar “deitado na sombra da morte” ( Lc 1,79). A vontade do Cristo contrasta com nossa mediocridade e mesquinhez, quando nos guardamos o tempo todo para este mundo que passa.
2. Quando o próprio Cristo toma a inciativa e deita Ele mesmo sobre a Cruz. Ele não resiste, entrega-se aos carrascos; sabe da sua missão. É um gesto muito forte e simbólico, uma vez que todo homem naquelas condições teria direito a lutar e fugir da Cruz. É outro sinal da Ressurreição, escondido nas funduras dolorosíssimas da Paixão… Nós nos lançamos avidamente sobre tudo o que desperta o nosso desejo. Somos apegados à figura deste mundo. Somos escravos dos sentidos e do prazer. Enquanto o Cristo se joga na cruz, nós nos jogamos sobre este mundo. Não educamos a nossa vontade, quando Ele, dono de sua própria liberdade, deixou-se pregar no madeiro. As chagas da cruz, que ele mostrará quando aparecer ressuscitado, serão para sempre nosso refúgio “para não ouvir o mundo fútil chamar.” (Santa Teresinha)
Por isso relembramos a Paixão no dia feliz da Ressurreição. Disse o padre Elílio Júnior, “o Ressuscitado é o crucificado. Para a eternidade Jesus leva as marcas da paixão.” (…) Certa mentalidade anti-católica penetrou no interior da Igreja. Muitos não querem adorar o crucificado, como se a cruz fosse um acidente de percurso na história da salvação que deve ser deixado pra trás e esquecido. Não. A cruz faz parte do centro da fé da Igreja. O momento da crucificação era a “hora” para a qual Jesus tinha vindo e da qual tanto nos fala no Evangelho de João. Não se adora o Ressuscitado sem adorar o Crucificado.”
Cristo será para sempre o “Ressuscitado que passou pela Cruz”. A liturgia da Vigília Pascal diz: “por suas Chagas Gloriosas…”. E o Apocalipse: “ Cordeiro de pé, como que imolado.”
Não somos feitos para este mundo. Nós ressuscitaremos com o Cristo. “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus.” (Col 3,1)
Ele levou as feridas de nossa humanidade para a Glória do Pai. É o Vencedor Glorioso, mas continua sendo nosso amigo e nosso irmão: em sua Santíssima Ressurreição estamos redimidos!
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Por tudo isso, porque a morte foi derrotada por Sua Morte e Ressurreição e a noite transmutada em luz, podemos cantar como o salmista:
“Vós convertestes o meu pranto em prazer, tirastes minhas vestes de penitência e me cingistes de alegria. Assim, minha alma vos louvará sem calar jamais. Senhor, meu Deus, eu vos bendirei eternamente.”
(Salmo 29,12–13)
Cristo Ressuscitou, Verdadeiramente Ressuscitou, Aleluia!
Uma Feliz e Santa Páscoa a todos!
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Sete Estrofes Sobre a Páscoa (Seven Stanzas at Easter, 1960)
John Updike (Telephone Poles and Other Poems)
Não se engane: se Ele ressuscitou mesmo
foi com Seu corpo;
se a dissolução das células não foi revertida, as moléculas
reconectadas, os aminoácidos reanimados
a Igreja cairá
Não foi como as flores
que ressurgem em cada suave primavera
não foi com Seu Espírito nas bocas e olhos
aturdidos dos onze apóstolos;
foi com Sua Carne: nossa.
Os mesmos dedos articulados
o mesmo coração e suas válvulas
que – perfurado – morreu, murchou, parou, e então
reconquistou de permanente Poder
novas forças para sustentar.
Não debochemos de Deus com metáforas,
analogias, esquivando-nos da transcendência;
fazendo do evento uma parábola, um símbolo pintado na
apagada credulidade de eras antigas:
entremos pela porta.
A pedra foi rolada, não papel-machê,
não uma pedra de contos de fadas,
mas a vasta rocha da materialidade que no lento
moer do tempo vai eclipsar para cada um de nós
a vasta luz do dia.
E se vamos ter um anjo na tumba,
que seja um anjo real,
pesado com os quanta de Max Planck, vívido com cabelos,
opaco na luz do amanhecer, vestido com linho de verdade
feito em um tear definido.
Não busquemos deixar a coisa menos monstruosa,
para nossa conveniência, nosso senso de beleza,
para que, despertos naquela hora impensável, nós
não sejamos envergonhados pelo milagre,
e esmagados pelo julgamento.
Imagem: “A Ressurreição de Cristo”, Pietro Novelli