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Teologia da Libertação e teologias sociais

Pedro Ribeiro*

Um dos maiores danos causados pela teologia da libertação de orientação marxista foi gerar, por oposição, nos ambientes católicos normais, uma rejeição a toda e qualquer forma de teologia social. Vejam: eu não falo de prática de ajuda aos pobre, que isto aí é visto com tranquilidade, mas sim de reflexão teológica especificamente voltada para questões sociais e que tenha o pobre, por assim dizer, como “lugar teológico”.

Sobre esse tema, se disseminam usualmente alguns erros.

O primeiro é dizer que a teologia trata da fé, da salvação da alma e que por isso o teólogo não deve voltar-se para questões sociais. Ora, antes de tudo, é preciso sempre ter em mente que a condenação do amor ao dinheiro como raiz de todos os males (a expressão forte é de São Paulo), o apontamento da dificuldade de salvação dos ricos e a opção preferencial de Deus pelos pobres são temas bíblicos evidentes, partes integrantes do anúncio da salvação e que só não são encontrados na Escritura e na Tradição por quem tenha viseiras ideológicas bem ajustadas. Basta ler Mateus 25, o “Sermão sobre as Obras de Misericórdia” do Padre Vieira (isso aqui é um pedaço do Céu) ou os textos sobre a pobreza e a propriedade privada escritos pelos Santos Padres, em especial São João Crisóstomo.

Ademais, parece algo relativamente trivial dizer isso, mas não é por que uma coisa é em si mais importante que ela deva receber maior importância por parte dos intelectuais. Os pensadores não se movem apenas pelo valor objetivo dos temas, mas também por seus interesses e por seu temperamento. Nossa Senhora, como se sabe, é menos importante do que a Eucaristia, dado que esta é Nosso Senhor mesmo. E, no entanto, o que não faltam são teólogos muito mais dedicados e interessados em mariologia do que em entender a transubstanciação. Da mesma maneira, nada impede que um bom teólogo, que um santo teólogo, passe a vida inteira a escrever apenas sobre teologia social e mesmo assim saiba reconhecer que o espiritual está acima do temporal, que a salvação da alma é mais importante do que a do corpo e que é necessário buscar o Reino de Deus em primeiro lugar. Eu mesmo (sem ser santo nem bom teólogo) me sinto chamado a enveredar academicamente por isso aí.

O erro da TL marxista, isto é o que dizem os documentos da Santa Sé, não foi fazer teologia social e dedicar-se exclusivamente a ela, mas foi buscar reduzir a teologia inteira a isso, negando dogmas e relativizando princípios morais fundamentais. O próprio uso de conceitos marxistas não é por si algo condenável, desde que feito com comedimento, e com consciência das contradições que há entre marxismo e fé cristã nos seus pontos fundamentais.

Eis o que ensinava, não à toa, o Papa Bento XVI, então Cardeal Ratzinger, em sua famosa instrução aos teólogos da libertação sobre os “desvios e perigos de desvio, prejudiciais à fé e à vida cristã, inerentes a certas formas da teologia da libertação que usam, de maneira insuficientemente crítica, conceitos assumidos de diversas correntes do pensamento marxista”: “Esta advertência não deve, de modo algum, ser interpretada como uma desaprovação de todos aqueles que querem responder generosamente e com autêntico espírito evangélico à « opção preferencial pelos pobres ». Nem pode, de maneira alguma, servir de pretexto para aqueles que se refugiam numa atitude de neutralidade e de indiferença diante dos trágicos e urgentes problemas da miséria e da injustiça. Pelo contrário, é ditada pela certeza de que os graves desvios ideológicos que ela aponta levam inevitavelmente a trair a causa dos pobres. Mais do que nunca, convém que grande número de cristãos, com uma fé esclarecida e decididos a viver a vida cristã na sua totalidade, se empenhem, por amor a seus irmãos deserdados, oprimidos ou perseguidos, na luta pela justiça, pela liberdade e pela dignidade humana. Hoje mais do que nunca, a Igreja propõe-se condenar os abusos, as injustiças e os atentados à liberdade, onde quer que eles aconteçam e quaisquer que sejam seus autores, e lutar, com os seus próprios meios, pela defesa e promoção dos direitos do homem, especialmente na pessoa dos pobres.”

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* Pedro Ribeiro é graduado em filosofia pela UERJ e trabalha como professor da disciplina nos âmbitos do Ensino Médio e de pré-vestibular.

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