por Janine de Souza, Sergio de Souza e Guilherme Pedrosa Lima
Um dos motes do Camponês é a “vida refletida”. A vida não examinada não vale a pena ser vivida, dizia Sócrates. Pode parecer que não, mas a cultura pop, que é marcada pelo superficial e descartável, tem produzido algumas séries televisivas que nos ajudam a refletir sobre a vida. Vamos dar aqui três exemplos com comentários breves para você se animar a assisti-las e depois filosofar bastante.
1. The Good Place
Você chega achando que vai encontrar somente mais uma comédia de humor negro, mas logo percebe que a saga pós-morte de Eleanor, Chidi, Tahani e Jason – os quatro estão mortos e foram enviados para um suposto “bom lugar” – é muito mais que isso: a série te coloca diante de vários dilemas éticos, existenciais e filosóficos, oferecendo lições de Aristóteles, Platão e Sócrates, especialmente nas aulas em que Chidi tenta ensinar Eleanor a ser uma pessoa melhor. Também aparecem na série temas e nomes como utilitarismo, Kant, existencialismo, Bentham, deontologia e Kierkegaard…
Toda a série de Michael Schur é um enorme e engraçado (mas, sério, no fim das contas) exame de consciência dos quatros personagens em busca de como viver bem.
Dicas de leitura para acompanhar a série e pensar sobre a vida: 12 Regras Para a Vida. Um Antídoto Para o Caos, Jordan Peterson e Os 4 Temperamentos na Educação dos Filhos, Ítalo Marsili (detalhe: Eleanor é colérica; Chidi é melancólico; Tahani é sanguínea; Jason é fleumático; concorda?)
2. Black Mirror
O livro onde mais aprendemos a viver no mundo tecnológico é a própria realidade. Black Mirror, apesar de sombria e pessimista em relação à condição humana (que não é só tranqueira, há bondade e esperança em cada esquina também) tenta mostrar a complexa relação do homem com a tecnologia (tablets, aplicativos, mundos virtuais, iPads, telinhas, telinhas, telinhas…).
Charlie Brooker inseriu muita reflexão boa ali; a escravidão tecnológica, a intimidade, os limites da privacidade, os relacionamentos, a consciência, a memória (e a relação da consciência com a memória ), as decisões, a vida moral, a verdade,o desejo, a sinceridade, o tempo e sua linearidade/fragmentação, o livre-arbítrio… Enfim, um prato cheio para filosofar. Os professores de filosofia e literatura podem encontrar um farto material para ilustrar suas aulas.
Black Mirror te empurra para dentro de si mesmo, incomoda, mas faz olhar para fora também. Quando comecei a assisti-la o mundo estava encantado com o joguinho Pokemon Go (lembra?) que fazia homens de quarenta anos saírem correndo nas avenidas atrás de monstrinhos japoneses… Black Mirror discorria na tevê sobre o que os homens faziam nas ruas… Foi muito marcante.
Dicas de leitura para acompanhar a série e pensar sobre a vida: “Virtudes Fundamentais”, Joseph Pieper, que não trata diretamente sobre a tecnologia, mas sobre as virtudes necessárias para lidar equilibradamente com tudo o que é humano e “A alegoria da caverna” (excerto de A República), de Platão, que é a eterna referência quando lidamos com temas como a prisão do homem em mundinhos ideais.
3. Caçadores de Troll
Toda a narrativa dos Caçadores de Trolls é verdadeira, como nos velhos contos de fadas, como no capítulo da Ética dos Contos de Fadas de Chesterton (Ortodoxia), como na “aplicabilidade geral” de Tolkien – que buscava fugir da metáfora contando apenas uma história real, que pareceria aplicável a nossa própria. A imensa colcha de retalhos da vida.
Cada capítulo da série (anime) de Guillermo Del Toro está impregnada com vários ensinamentos úteis, arquetípicos — como diria a professora Nelly Novaes Coelho (O Conto de Fadas). A vocação individual do protagonista e da sua equipe, o fardo (ou cruz), a união pela amizade daqueles que querem as mesmas coisas, o amor materno, o abandono dos filhos; ser órfão, ser gordo, ser feio, ser nerd. Tudo está concatenado, sem a necessidade ideológica de segregar alguma das possibilidades, exatamente como se montássemos o grande quebra-cabeça da existência.
Sem ares, pudores ou vaidades filosóficas, Caçadores de Trolls é isso: uma boa história. Três amigos sentados numa varanda a beber cerveja poderiam contar os “causos”, ou as aventuras da série. E aprender com cada um deles. Quando você precisa mentir para salvar alguém? Quando entendeu que precisa seguir sua vocação ou colocará todos à sua volta em risco? Entende que estamos todos no mesmo barco de alguma forma? Já teve algum amigo de fato? De confissão? Já carregou consigo o peso da decepção? Já se debruçou sobre a tristeza ou desfrutou da alegria da vitória?
Seria um abuso imaginar que Dom Quixote ou O Senhor dos Anéis contém sagas semelhantes à série? Pode ser, mas eu não saberia classificar em outros termos a generosa quantidade de tópicos destinados à reflexão que nos oferece os Caçadores.
Dicas de leitura para acompanhar a série e pensar sobre a vida: “O Conto de Fadas”, Nelly Novaes Coelho, porque está citado no texto. Poderia ser também “A psicanálise dos contos de fadas”, de Bruno Bettelhein ou o capítulo de “Ortodoxia”, de G.K. , também citado (por que não o livro inteiro, que é uma maravilha?). Sugerimos também as “grandes sagas” citadas: “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes ou “O Senhor dos Anéis”, J. R.R. Tolkien, ou as não citadas, como “Moby Dick” e o belíssimo livro do nosso amigo Rodrigo Duarte Garcia, “Os Invernos da Ilha”. Você pode ir atrás da ficção de C.S. Lewis ou dos contos dos Irmãos Grimnn que também são exemplos de literatura que nos reconduz à realidade através do exercício da imaginação.