Hoje levei meus filhos ao cemitério. Caminhamos pelas vielas, entre os túmulos. Quando criança, era minha mãe quem me tomava pelos braços e me levava ao túmulo de minha avó Adelaide, que se foi um ano antes do meu nascimento e cuja memória tão celebrada deu-me a imagem de uma avó materna que não tive. Íamos também às sepulturas de meu primo Alex, que morreu criança, de leucemia; do jovem Stephen, morto num acidente de moto: de meu homônimo primo Sérgio Luis; da jovem professora Lucinha, a quem ardentemente desejei fosse minha professora, mas foi-se precocemente num acidente, com os pais. A inocência da estação infantil não deixa que a ficha da morte caia. Não permite que o caldo da morte penetre em nossas brechas e circule por nossas veias. Era divertido passear por entre os túmulos com mamãe. Ou com meu tio Carlos Alberto, contando histórias cheias de fantasmas e de esqueletos que iriam se levantar do pó da terra no fim do mundo.
Hoje, ao caminhar por aquelas ruazinhas e olhar os nomes e fotos nas lápides, meu coração se enche de assombro e espanto, a consciência revolve — são rostos conhecidos, pessoas que cruzaram meu caminho, apertaram minhas mãos, cuja história se entrelaçou com a minha A bisavó de meus filhos, avó de minha esposa, cujo toque macio das mãos ainda sinto, está ali. Minha sogra, cujos meses tão poucos de ausência ainda pesam sobre nossos ombros, está ali. Meu avô, cujos cabelos brancos ainda estão entre os meus dedos, que trazia drops Garoto nas noites de domingo, que torcia pelo América, que vibrava com as lutas do Maguila, que batia enormes pratos de comida, que amava o canto do sabiá, que guardava as garrafas de conhaque no fundo do armário, o rei do nosso quintal, está ali.
A morte não é mais a senhora distante. Nunca foi. Já entrou em nossa casa, caminha de mãos dadas conosco. Sempre caminhou. E cada vez mais se deixa ver. Sábios são os santos, que aconselham que não a percamos de vista. A morte, tão próxima, é a grande desconhecida, porque escondemos dela nosso rosto. Hoje é dia de rezarmos pelos nossos mortos e contemplar a nossa própria morte. Que digamos como São Francisco, “Bem-vinda sejas, irmã minha, a morte! ”, é quase impossível. Eu mesmo estremeço ao escrever estas poucas linhas. Se é demais pedir que a convidemos para sentar à mesa na hora do almoço, ao menos deveríamos ir nos acostumando a recordar da casa dos mortos, que um dia será também a nossa casa.
(Novembro de 2014)
Sérgio Souza